terça-feira, 17 de setembro de 2013

The Hours (2002)


de Stephen Daldry
Nicole Kidman
Julliane Moore
Meryl Streep
Ed Harris
Jeff Daniels
Toni Collete
John C. Reilly
Claire Daines
Allison Janney


Uma boa adaptação?
Um problema que já debati aqui ao criticar filmes que sejam adaptações literárias, é que se explore em demasia determinados detalhes e acabe-se por negligenciar outros tantos. Para uma pessoa que leia a obra literária, o resultado é uma experiência desigual de emoções, por considerar sempre que falta "quelque chose". Então qual é o principal objectivo de uma boa adaptação cinematográfica de livro?Em primeiro lugar, o filme deverá falar uma linguagem literária, ou seja, nem ser tudo muito evidente, nem ser enigmático demais, como um livro fechado em si mesmo. A linguagem literária que aqui refiro deve ser da responsabilidade primeiro, do argumento e segundo dos actores que o interpretam, que precisam de ter uma maturidade que o permitam ter a complexidade exigida.Em segundo lugar e isto vem em detrimento do ponto anterior, estamos perante uma boa adaptação cinematográfica quando o filme em vez de "consumir" o livro, coexiste com ele. Tem-se que ter a noção de que são expressões artísticas distintas, logo quando temos dois objectos que se complementam, mas que valem por si só, então estamos perante uma boa adaptação cinematográfica.

Crítica
Stephen Daldry, teve a coragem de adaptar o romance de Cunningham e o resultado final é excelente. Dirigindo um elenco de estrelas como Meryl Streep, Julianne Moore, Nicole Kidman - que venceu aqui Oscar - ou Ed Harris, Daldry gere com mestria os 3 tempos por onde o livro/filme viaja. Se aliarmos a perfeição narrativa com uma banda sonora de excelência de Phillip Glass e um argumento bastante fluido de David Hare, temos um cocktail de emoções durante 2 horas que não os deixarão indiferentes.

O filme divide-se em três fluxos temporais, onde existe uma personagem principal: Mrs Dalloway e estas irão influênciar as personagens principais do filme. Em primeiro define a sua criadora, Virginia Wolf, a escritora que sofre de esquizofrenia e insurge-se contra o estilo de vida que a doença lhe impõe. Farta de isolamento ela é o retrato de um sofrimento e de uma frustação interno que leva a criar a obra literária que influenciará o destino das restantes personagens. Ela mesma é o resultado da criadora a ser influênciada pela sua criação. No final tanto Wolf como Richard tem o mesmo destino e se calhar esse detalhe não é tão gratuito assim. Vejam o filme e digam-me as semelhanças...

A personagem de Laura (Julliane Moore) é aquela que trará a maior surpresa durante o filme. Ao ler o livro escrito por Wolf, ela revê-se naquela personagem. Laura é a típica mulher dona de casa, dos anos 50. O pós guerra,trouxe-lhe um lar e um conforto que esta não esperava e de certa forma não deseja. Grávida com um filho e um marido, a felicidade é aparente e rapidamente percebe-se rapidamente porquê. Presa a uma vida que não deseja, as suas acções trarão sequelas para toda a sua família que serão reveladas no terceiro eixo temporal.


Por final temos a personagem de Clarissa (Meryl Streep), no presente. Ela é Mrs Dalloway, literalmente. Compra flores, organiza uma festa para o seu amigo Richard. Será a celebração de uma vida que já não deseja viver. Richard é um escritor, incompreendido, mas elogiado pela sua carreira, que vive assombrado pelas palavras de Virginia Wolf e a obra central do filme. A padecer de S.I.D.A, Richard padece do mesmo mal que Wolf: Revive as personagens em situações reais, e projecta as dolorosas vivências do seu passado, na prosa que escreve, ficando sempre escravo das memórias e das personagens que cria e lê.
~
O fatalismo do filme é mesmo esse. As personagens estão presas ao momento, mas não conseguem desligar o passado. Ele molda e condiciona o presente de todas as personagens. Se reparar, os unicos que morrem são escritores, porque tanto num caso como no outro, estes pensavam que com a sua morte, poderiam dar algum sentido de vida a todos aqueles que estariam a ser condicionados por eles. Isso não significa que exista uma resolução. O que o filme/livro promove é a excelência do momento, e nesse momento aproveitar a vida ao máximo, porque esse pico de felicidade poderá ser breve, sem a mesma intensidade e são esses momentos efémeros que definirão uma vida inteira.

O filme é demasiado complexo, há quem o veja como deprimente, ou o percepcione de forma distinta, como estou a tentar demonstrar, daí achar fascinante a forma como este foi concebido e construído. Mérito para Stephen Daldry e David Hare, que oferecem uma narrativa muito subliminar e subtil que tentam e conseguem dar uma dimensão literária. Todo o elenco é excelente, com portentosas actuações, cheio de significados subliminares que tanto satisfazem quem não leu o livro, como conseguem criar um elo de ligação para quem o leu. Em vez de o alienar, o livro surge como um complemento ao filme, sendo que considero este, um dos poucos exemplos em que o filme é uma obra superior ao livro. Um dos melhores filmes daquele ano, uma referência na minha vida!

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