sábado, 1 de outubro de 2016

Come and See (1985)



de Elem Klimov
com Aleksey Kravchenko
Olga Mironova
Liubomiras Laucevicius


"And when He had opened the fourth seal, I heard the voice of the fourth living being say, “Come and see!”
And I looked, and behold, a pale horse, and his name that sat on him was Death, and Hell followed with him. And power was given unto them over a fourth part of the earth to kill with sword, and with hunger, and with death, and with the beasts of the earth." 
Revelations(6:7-8)

Em 1979, Francis Ford Coppolla fazia-nos imergir directamente na Guerra do Vietname com Apocallypse Now, uma das maiores pérolas do cinema norte-americano. Se quisermos uma experiência similar para a II Guerra Mundial, nada como ver Come and See, título que referencia o Evangelho, onde somos convidados a testemunhar a destruição causada pelos Cavaleiros do Apocalipse. Come and See apesar de ser um filme  aclamado pela crítica e uma referência cada vez maior dentro do género, é um filme continua "desconhecido" a grande parte do público, o que é lamentável, pois a sua linguagem crua e por vezes demasiado fria aliada com a estética e a espantosa direcção de actores que somos presenteados aqui, Elem Klimov, fez uma das maiores obras-primas do cinema.

Filmado na Bielorrusia, com actores desconhecidos, Come and See é uma experiência cinematográfica muitas vezes desconfortável, realista e tem como alicerce a interpretação de Aleksey Kravchenko (que tinha 15 anos quando filmou), no papel de Florya, um adolescente bielorusso que contra a sua família, junta-se à Frente Soviética, no combate aos Nazis. O filme é basicamente é a sua odisseia, a guerra sob o seu ponto de vista e subsequentemente a perda da sua inocência perante os horrores que vai testemunhando.  



E aqui temos a dicotomia entre o trabalho dos actores e o espantoso trabalho do realizador que através de longos takes de filmagem recria com bastante realismo  um segmento de história que raramente foi falado na II Guerra Mundial que foi a ocupação de Bielorrussia, sob os olhos de uma criança que testemunha incrédula e horrorizada à acção que vai ocorrendo directa ou indirectamente consigo. É uma mensagem anti-guerra e anti-fascista, propositadamente declarada pelo realizador, filmada como que um filme de terror, onde tudo acontece impiedosamente e sem possibilidade de redenção. 

Outro ponto muito interessante no filme é a forma equilibrada como o realizador, concilia a banda sonora com as imagens e o poder de sugestão para exponenciar o clima de terror durante todo o filme. Este género de filmes usa exageradamente do grafismo da violência e aqui, grande parte da violência é escondida, mas escuta-se, estando quase sempre em segundo plano, basta por exemplo ouvir os gritos na cena onde uma Igreja é queimada com os habitantes de uma aldeia todos dentro do edificio, para ficar na memória como uma das cenas mais aterradoras de guerra, alguma vez filmadas.

O filme é baseado nas memórias de guerra de Ales Adamovich que escreveu o argumento em parceria com o realizador e usam de alguns elementos surrealistas para passar a sua mensagem anti-guerra. No final Florya depara-se com o cartaz de Adolf Hitler, no qual quando ele começa a disparar tiros e uma série de imagens em rewind começam a sobrepor-se, a cada tiro a história recua, até ao inicio, em que aparece a imagem de Adolf Hitler em criança, nos braços da mãe, sendo que aí Florya não dispara. É a constatação de que o inimigo também foi uma criança, tal como ele.  Uma conclusão surrealista,  em tom amargo, com o plano dos soldados a marchar e ao som de Mozart, onde o realizador questiona a existência de um Deus, perante estes factos e depois... resta o Silêncio. 

O realizador nunca mais realizou mais nenhum filme até à sua morte, perdendo o interesse nos filmes e achando que filmou tudo aquilo que queria filmar. Come and See é um filme exímio a todos os níveis que merece ser visto e revisto e uma obra-prima do cinema pela qual o realizador deve ser lembrado.